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terça-feira, maio 10, 2005

Estou postando este artigo publicado na veja desta semana em homenagem ao cronista André Petry, por defender(não é a primeira vez!) idéias que poucos tem a coragem de defender.

"André Petry
Prostituta é gente

"Manter a prostituição sem regularização,como está hoje, não torna o mundo mais puro - ajuda apenas uma figura do submundo,o abominável traficante de sexo"

A notícia saiu com pouco destaque, mas merece aplauso: o governo brasileiro acaba de jogar 48 milhões de dólares no lixo em defesa de um princípio humanitário - o de que as prostitutas são cidadãs. Eis o caso: o governo dos Estados Unidos queria doar 48 milhões de dólares ao programa brasileiro de combate à aids e a outras doenças sexualmente transmissíveis, mas impôs uma condição: o dinheiro não poderia ser usado em campanhas dirigidas a prostitutas. O governo brasileiro então renunciou ao dinheiro para defender o respeito às prostitutas. Fez certo? Mais que isso: ajudou a mostrar que o moralismo que alimenta o fundamentalismo da Casa Branca e se alimenta dele está perto da raia da estupidez. Agora, esse moralismo está dizendo que as prostitutas, porque exercem uma atividade moralmente reprovável, devem ser deixadas à míngua - morrendo como ratos, se for o caso.
O governo brasileiro não se sujeitou a essa barbaridade. Ótimo. Agora, um reparo à afirmação feita na abertura deste texto: as prostitutas brasileiras não são tratadas como cidadãs. Elas são incluídas nas campanhas de combate à aids, mas nem o governo, nem eu, nem você, leitor, as tratamos como cidadãs. Diante da exigência americana de que virássemos as costas às nossas prostitutas, fizemos bonito. Mas, diante de nossos próprios olhos, entre nós mesmos, a coisa muda. Não tratamos as prostitutas nem como cidadãs de segunda classe. É pior: reservamos a elas tratamento de lixo humano. A prostituta não tem profissão regular, não tem amparo legal, não tem carteira de trabalho, não tem salário, não tem assistência médica, não tem aposentadoria. Ao envelhecer, com a decadência física, torna-se presa fácil do sexo inseguro e acaba sem ter onde cair morta.
O melhor meio de produzir justiça - e não sermos elogiáveis apenas diante dos americanos, mas também diante de nós mesmos - é legalizar a prostituição. É regulamentar a prestação de serviços sexuais de modo que as prostitutas saiam do abandono a que são condenadas por uma suposta ilegalidade. Religiosos e conservadores em geral ficam chocados com essa idéia - aplicada, com bons resultados, em países como a Holanda e a Alemanha, terra do novo papa -, achando que, com isso, se estaria criando um incentivo a uma atividade condenável. Bobagem. Não há nenhum dado, a não ser a fobia moralista, que respalde esse temor. Ao contrário: é lícito supor que ninguém vai se prostituir só porque, agora, isso é profissão. É o equivalente a achar que os espanhóis, agora que seu país legalizou o casamento gay, vão começar a virar homossexuais em massa...
O moralismo americano, no fundo, é mais honesto que o nosso: rejeita as prostitutas porque acha moralmente errado o que elas fazem. Nós, não. Apelamos para a hipocrisia, com um discurso silencioso que diz mais ou menos assim: que bom que existem prostitutas, que bom que elas saem às ruas para trabalhar todas as noites, que bom que alguns de nós podem receber seus serviços sexuais - mas que elas não nos venham cobrar assistência médica, aposentadoria, condições de trabalho nem dignidade!
Não nos iludamos, você e eu, leitor: manter a prostituição sem regularização, tal como está hoje, não ajuda sua filha, seu filho, sua família, não torna o mundo mais puro - ajuda apenas uma figura do submundo, o abominável traficante de sexo. Só ele."

Feita a homenagem, apenas deixo registrado que, na minha opinião, o cronista deslizou ao transferir o foco da condenação da protistuta para o traficante do sexo. Uma porque nem todas as prostitutas tem um homem gerindo seus negócios, outra porque entendo que o que deve ser debatido é porque se criam condições para que brotem fontes de infelicidades humanas. Se isto fosse feito raros seriam os que escapariam de condenação. Acho mais seguro continuar sempre buscando, na prática da boa espiritualidade e da boa filosofia - que não condenam ninguém - as soluções para tentar melhorar o mundo.



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