domingo, maio 29, 2005
Clássicos são clássicos...
Tarde quente. Na estante pego "A Montanha Mágica" de Tomas Mann e deparo com a beleza do texto abaixo. É um texto que beira o poético e com o qual não se precisa concordar ou discordar. É um texto em que a forma e a escolha das palavras nos conduzem numa viagem lírica e onde sorrimos diante de sua bela estética. Boa leitura.
"Que era, então a vida? Era calor, o calor produzido pela instabilidade preservadora da forma; era uma febre da matéria, que acompanhava o processo de incessante decomposição e reconstituição de moléculas de albumina, insubsistentes pela complicação e engenhosidade de sua estrutura. Era o ser daquilo que em realidade não podia ser, daquilo que, a muito custo, mediante um esforço delicioso e aflitivo, consegue, nesse processo complexo e febril de decadência e de renovação, chegar ao equilíbrio no ponto do ser. Não era nem matéria nem espírito. Era qualquer coisa entre os dois, um fenômeno sustentado pela matéria, tal e qual o arco-íris sobre a queda-d'água, e igual à chama. Mas, se bem não fosse material, era sensual até a volúpia e até o asco, o impudor da natureza tornada irritável e sensível com respeito a si própria, e a forma lasciva do ser. Era um movimento clandestino, mas perceptível no casto frio do universo, uma secreta e voluptuosa impureza composta de sucção e de evacuação, uma exalação excretória de gás carbônico e de substâncias de procedência e qualidade ignotas. Era a vegetação, a desenvolução, a configuração - possibitadas pela hipercompensação da sua instabilidade e controladas pelas leis de formação que lhe eram inerentes - de uma coisa túmida de água, de albumina, de sal e de gordura, coisa que se chamava carne e se convertia em forma, em imagem sublime, em beleza, mas, ao mesmo tempo, era o pricípio da sensualidade e do desejo. Pois essa forma e essa beleza não conduzidas pelo espírito, como nas obras da poesia e da música, nem tampouco por uma substância neutra, absorvida pelo espírito, e que o encarnasse de uma maneira inocente, como o fazem a forma e a beleza das obras plásticas. Era, pelo contrário, conduzida e elaborada por uma substância na qual despertou, de um modo desconhecido, a voluptuosidade, pela substância da própria matéria que vivia se decompondo, pela carne cheirosa..."
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